quarta-feira, 27 de maio de 2009

Marco Teórico da 3ªAPD

Marco Teórico da III Assembléia Diocesana de Pastoral
IGREJA: COMUNIDADE DOS DISCÍPULOS DE JESUS, EM MISSÃO,
A SERVIÇO DA VIDA, DA FAMÍLIA E DA JUVENTUDE.


A. POVO DE DEUS EM ASSEMBLÉIA

1. A Diocese de Luz está convocada para a sua 3ª ADP. Por ocasião da 1ª ADP, definimos, como desejo de toda a Diocese, uma Igreja mais humana e mais participativa. Isso ficou expresso em nosso lema: “Queremos ser uma Igreja mais humana e participativa!” A 1ª ADP foi uma experiência de grande aprendizado e de muita riqueza, tanto no processo de sua preparação, como também no acontecimento mesmo dos dias de assembléia e nos desdobramentos futuros.

2. A 2ª ADP também foi uma experiência muito especial, mais amadurecida, porque já tínhamos um caminho feito. Nessa assembléia, definimos como prioridades a formação integral, a renovação das comunidades e a presença profética e transformadora na sociedade. A expressão disso foi o nosso lema atual: “Queremos ser uma Igreja que forma o povo de Deus, renova a comunidade e transforma a sociedade”. Ajudou a implementação das prioridades da 2ª ADP, o projeto diocesano de evangelização “Formamos a Igreja Viva”.

3. Caminhamos, desse modo, rumo à 3ª ADP. Isso tem um significado muito especial, que precisamos compreender. Em primeiro lugar, quando a Igreja convoca para uma Assembléia ela sabe que quem vai presidir todo o trabalho é o Espírito Santo de Deus, através de todo o seu Povo. Diferente de outros modelos de assembléia, uma assembléia do Povo de Deus é sempre presidida pelo próprio Deus e deve ser nesse espírito de comunhão e intimidade com Deus que devemos atender ao convite para a 3ª ADP.

4. Diferente também de outros modos de assembléia, uma Assembléia de Pastoral precisa exercitar o dom da unidade, cujo primeiro responsável é o Bispo Diocesano. O que significa isso, afinal? Significa que não iremos para a 3ª ADP para defender interesses pessoais, idéias ou ideologias parciais. É natural e muito saudável que, entre o povo de Deus, haja pessoas que pensem diferente, que proponham coisas diferentes. Mas a pergunta de todo o povo de Deus em assembléia não deve ser: quem tem a melhor idéia ou quem falou melhor sobre sua idéia? A pergunta deverá ser: o que realizará melhor a vontade de Deus.

5. Então, a primeira exigência e a mais importante para a participação de todos no caminho da Assembléia é a CAPACIDADE DE ESCUTAR (At 15,12). Precisamos estar atentos a Deus mesmo, pedindo ao Espírito que nos aponte qual será o caminho em que faremos melhor a vontade d’Aquele que nos chamou. Também devemos estar atentos à contribuição de todos.
6. Essa Assembléia de Pastoral deve também ter muita lucidez e muita capacidade de avaliação das ações que nos propusemos na 2ª ADP. Podemos chamar isso de CAPACIDADE DE CONFRONTAR (At 15,19). Isto é, precisamos ter a coragem necessária para comparar as metas e prioridades que assumimos e avaliar onde chegamos, com serenidade e com muita honestidade. Essa avaliação nos permitirá celebrar as conquistas e apontar onde ainda precisamos trabalhar mais e melhor.
7. Além disso, a Assembléia é o lugar do discernimento da vontade de Deus para toda a Igreja Diocesana. E como já disse a Sagrada Escritura, a Palavra não volta a Deus sem dar bons frutos (Is 55,11). Portanto, a Assembléia, presidida pelo Espírito, convocada pelo Bispo Diocesano e assumida por todos nós, precisa ter sua CAPACIDADE DE DECIDIR (At 15,19-21). Essa capacidade é muito importante, porque não se trata de decisões externas, para outros executarem. Trata-se de decisões tomadas na escuta da Palavra e da vontade de Deus e no confronto com a realidade. E devem ser decisões que ajudem o serviço do Evangelho da vida para todos. Principalmente devem ser decisões que possam ser assumidas e realizadas por todos.
8. Essa capacidade de decidir é muito exigente e deverá contar com toda nossa disposição de coração para podermos ultrapassar o nível da discussão e do debate e irmos para o nível do agir concreto.

B. COMUNIDADE DOS DISCÍPULOS DE JESUS

9. Os cristãos, antes de qualquer coisa, são discípulos d’Aquele que é o sentido de nossas vidas: Jesus Cristo. Precisamos, então, compreender, em primeiro lugar, quem é esse a quem chamamos de Mestre e Senhor. E precisamos compreender também o que significa, para o cristão, ser discípulo.

10. Ser cristão não é seguir idéias ou doutrinas, muito embora elas possam ser úteis e importantes. Mas ser cristão é, fundamentalmente, encontrar-se com uma pessoa: JESUS CRISTO. E segui-lo. Por isso, o que define nossa condição de cristão não é tanto o que a gente sabe sobre Jesus, mas nosso modo de segui-lo incondicionalmente. E seguir aqui significa aprender com ele um novo modo de agir no mundo, de relacionar com as pessoas e de relacionar com o próprio Deus. Sem nos abrirmos a essas três novidades (ação no mundo, as pessoas e Deus), não podemos ser autênticos discípulos do Senhor.

11. O olhar, o coração, as práticas e, enfim, toda a vida de Jesus se voltava para duas grandes direções, que são como dois lados de uma mesma moeda: O Pai e o Reino. Voltando-se para o seu Pai, Jesus recolhia todas as forças para sua pregação e para sua atuação no mundo. Também é na intimidade com seu Pai que Jesus compreende que Deus quer a misericórdia, agindo como o Pai Misericordioso, acolhendo o filho pródigo, e que Deus não desiste nunca de nós (Lc 15,11). Isso tudo deu ânimo e coragem para Jesus ir até o fim, em sua missão.

12. Descobrindo o Pai como alguém próximo, misericordioso e amável, Jesus então passa a aplicar isso na relação com as pessoas e com o mundo ao seu redor. Tudo porque Jesus acredita que temos que nos preparar para o Reino de Deus. O Reino de Deus é, segundo acredita Jesus, o lugar onde o seu Pai realiza sua santa vontade, que é a vida plena para todos. Então, Reino, para Jesus, tem um significado especial: realização plena da vontade de Deus Pai.

13. Olhando para esse quadro da relação de Jesus com o seu Pai e com o Reino, a entrega total que Ele faz ao projeto de Deus, então já somos capazes de perceber o que significa ser discípulo de Jesus. Ser discípulo é algo que envolve nossa vida toda, naquelas três direções que já falamos acima: agir no mundo, relação com as pessoas e relação com Deus.

14. Nosso agir no mundo deverá ser PROFÉTICO E ESPERANÇOSO. Não podemos ser profetas do mau agouro (da má notícia), como advertiu o papa João XXIII. Devemos ser profetas da esperança, denunciando, sim, as injustiças e mazelas do mundo, mas propondo algo concreto, para que as pessoas se animem na caminhada.

15. Nossa relação com as pessoas deve ser de MÁXIMA ACOLHIDA, inclusive quando o outro é realmente muito diferente, em pensamentos, idéias, cultura e até religião. É uma relação baseada na misericórdia. Não significa concordar com o erro. Significa amar a todos, inclusive quem erra. É o amor, de modo bem concreto, que ajuda as pessoas a retomarem o caminho da justiça.

16. Nossa relação com Deus deve também seguir os passos de Jesus: INTIMIDADE E PRÁTICA. Alimentando-nos de Deus, todos os dias (na Palavra, na Liturgia e na Caridade), devemos nos sentir fortalecidos para atuar melhor no mundo e transformá-lo. De modo geral, nossa relação com Deus pode ser dita em duas palavras: pedir ao Pai que nos ajude a compreender a vontade d’Ele para nós; e que nos ajude a realizar essa vontade em nossa vida.

17. O discipulado é algo permanente. Isto é, a gente não se torna discípulo da noite para o dia, mas gastamos a vida toda para nos tornarmos discípulos de Jesus. Assim, a gente compreende que ter fé e ser cristão significam estar em constante conversão e mudança de vida.

18. As Diretrizes Gerais para Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE), seguindo as intuições do Documente de Aparecida (DAp), propõem um itinerário para a formação do discípulo. É uma proposta apenas orientadora. Cada comunidade, cada paróquia, cada diocese é que vai dar corpo a essas orientações. Vejamos, pois, a orientação dos bispos (DGAE n. 92):

19. “No processo de formação do discípulo missionário aparecem cinco aspectos fundamentais, diversos “em cada etapa do caminho, mas que se complementam intimamente e se alimentam entre si”:
• o encontro com Jesus Cristo, através do querigma, fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo, “deve renovar-se constantemente pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do querigma e pela ação missionária da comunidade”;
• a conversão, resposta inicial de quem crê em Jesus Cristo e busca segui-lo conscientemente;
• o discipulado como amadurecimento constante “no conhecimento, amor e seguimento de Jesus Mestre”, quando também “se aprofunda o mistério de sua pessoa, de seu exemplo e de sua doutrina”, graças à catequese permanente e à vida sacramental;
• a comunhão: “não pode existir vida cristã fora da comunidade: nas famílias, nas paróquias, nas comunidades de vida consagrada, nas comunidades de base, nas outras pequenas comunidades e movimentos”, tal como acontecia entre os primeiros cristãos. A comunhão na fé, na esperança e no amor deve estender-se também aos irmãos e irmãs de outras tradições cristãs;
• a missão nasce do impulso de compartilhar a própria experiência de salvação com outros, de plenitude e de alegria feita com Jesus Cristo. A missão deve acompanhar todo o processo, embora diversamente, conforme a própria vocação e o grau de amadurecimento humano e cristão de cada um, tendo Maria como modelo perfeito do discípulo missionário”.
20. E em seguida, as Diretrizes apontam para os quatro eixos dentro desse processo de formação do discípulo: “Muito ajudará neste itinerário formativo que a Igreja reforce quatro eixos em sua pastoral, que aparecem quando se busca esclarecer as razões porque católicos deixam a Igreja para se unir a outros grupos religiosos. Tais motivos são por falta de formação catequética adequada e, mais freqüentemente, de cunho vivencial. Estes eixos são:
• a experiência religiosa feita no encontro pessoal com Jesus Cristo;
• a vivência comunitária que propicie acolhimento fraterno e valorização pessoal de forma que cada fiel se sinta visível e eclesialmente incluído na Igreja;
• a formação bíblico-doutrinal pelo maior conhecimento da Palavra de Deus com maior crescimento espiritual;
• o compromisso missionário de toda a comunidade indo ao encontro dos afastados e não praticantes” (DAp 93).
21. Jesus exige de todos os seguidores sempre um passo a mais, um passo mais exigente. Ele não exige todos os passos de uma vez e não exige, também, que os passos sejam dados de modo igual por todos. Cada um, seguindo o seu próprio ritmo e respeitando a sua própria história, é chamado a dar um passo a mais em cada momento da vida. O importante para Jesus é que seu discípulo não se acomode. Sempre um passo a mais, na direção do amor a Deus e aos irmãos, é o grande segredo do discipulado.
22. Agora vem algo também muito importante: o verdadeiro discípulo sabe que “sozinho, isolado, ninguém é capaz”, como canta nossa canção católica. Isso significa que todo discípulo é chamado a formar COMUNIDADE.
23. O seguimento a Jesus é uma decisão pessoal, mas não individual. Cada um deve dar o seu sim, a sua resposta. Mas somos convocados a viver o nosso sim e nossa resposta juntos, em comunidade.
24. Viver em comunidade não é o mesmo que pensarmos todos do mesmo modo, termos todos os mesmos gostos e mesmos interesses. Isso não seria uma comunidade de cristãos verdadeiros. Uma comunidade de seguidores de Jesus se caracteriza, principalmente, pela relação de amor, de solidariedade, de partilha e confiança. Na comunidade, aprendemos a conviver com quem é diferente de nós, com quem pensa diferente de nós e até com quem discorda de nós.
25. A comunidade eclesial deve guardar um precioso ensinamento de Santo Agostinho: No essencial, procurar a unidade! No acidental, respeitar a diversidade! Em tudo, buscar a caridade!. Isto é: podemos pensar diferente em muitas coisas e sobre muitos aspectos. Não podemos esquecer o essencial, que é o Evangelho da Boa Nova de Jesus, para que todos tenham a vida em abundância (Jo 10,10). E, em tudo, deve prevalecer o amor, a caridade.
26. Uma comunidade eclesial também não surge do nada, sem nenhum esforço nosso, ou sem contar com a graça de Deus. Ela é construída, com cuidado e muita responsabilidade, de nossa parte, porque acreditamos que é na comunidade que viveremos bem e honestamente nossa fé. Mas principalmente, mais do que nossos esforços, a comunidade eclesial depende radicalmente da Graça de Deus, do Espírito de Deus que nela se faz presente. É o próprio Espírito de Cristo que será o construtor da comunidade. “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20).
27. Segundo as Escrituras Sagradas, no livro dos Atos dos Apóstolos (At 2,42), uma comunidade eclesial precisa ter, para ser fiel, algumas características.
28. A primeira delas é a perseverança na doutrina dos apóstolos. Isso significa que a comunidade está em comunhão com o ensinamento da Igreja. Nenhuma comunidade pode se sentir dona, proprietária, dessa rica herança que vem desde Jesus. Nem pode se sentir completamente independente e começar tudo do zero. Precisamos nos compreender como herdeiros de uma riqueza espiritual muito grande, que vem sendo transmitida de geração em geração.
29. A segunda característica é a comunhão fraterna. Isto é, tratarmos todos como irmãos e irmãs, além de estabelecermos com todas as pessoas laços de união, de amizade e de fraternidade.
30. A terceira característica é a fração do pão. Aqui se trata de uma lembrança especial da Eucaristia, do momento em que a comunidade se reúne para celebrar a memória de Jesus como Cordeiro de Deus que se entregou por nós. Mas é também uma lembrança à partilha dos bens. Uma comunidade cristã deve ser atenta aos necessitados e não deve medir esforços para evitar que haja necessitados. Essa característica é um convite a derrotarmos o egoísmo, tentação sempre presente em nossas vidas.
31. A quarta característica é a oração, pois uma comunidade eclesial não pode se transformar em alguma coisa parecida com associações de bairro, sindicatos, entre outros. Todas essas formas de organização são importantes e um bom cristão deve atuar aí também. Mas a comunidade eclesial é, antes de tudo, um lugar em que as pessoas têm oportunidade de se encontrarem na intimidade de Deus. Por isso, a quarta característica é a oração. Não uma oração estéril, que não produz nada, mas uma oração fértil, que anima a pessoa orante a transformar o mundo.
32. Em quê toda essa realidade nos desafia, rumo a 3ª Assembléia Diocesana do Povo de Deus?
a. Ninguém se torna discípulo, por acaso. É claro que contamos, primeiramente, com o Espírito de Cristo que toca a pessoa e a convoca ao seguimento. Mas também precisamos “formar” discípulos, despertar, entusiasmar, animar pessoas para o seguimento ao Senhor. Esse é um grande desafio. Como entusiasmar e animar as pessoas, para que elas decidam fazer a experiência do discipulado?
b. Outro desafio imenso é como manter o discípulo animado na fé e como entusiasmá-lo para a tarefa de evangelizar outras pessoas? Diante da correria e da falta de tempo de nosso mundo e diante do cansaço de muita gente, como ajudar as pessoas a darem testemunho de sua fé, através de um serviço, de uma colaboração na obra da Evangelização e da Promoção Humana?
c. A vida em comunidade também é um grande desafio. Como animar as comunidades, para que elas cresçam em maturidade, tornem-se mais autônomas e passem a evangelizar e formar novos discípulos? Como deve ser a comunidade para que as pessoas se sintam animadas e entusiasmadas a participarem dela?

C. EVANGELIZAÇÃO: DOM DE DEUS, TAREFA DE TODOS

33. O mandato do Senhor ressoa bem claro em nossos corações: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15). Portanto, pelo batismo, somos constituídos evangelizadores e devemos nos perguntar: O QUE SIGNIFICA EVANGELIZAR?
34. Em primeiro lugar, significa que somos portadores de uma mensagem alegre e de esperança para todos. Essa mensagem não é simplesmente uma doutrina, ou um conjunto de leis, ou alguma fórmula. Essa mensagem é uma pessoa concreta, Jesus Cristo. Esse é o primeiro significado para Evangelização. Evangelizar, nesse aspecto, é anunciar a pessoa de Jesus.
35. No entanto, esse anúncio não deve provocar apenas conhecimento por parte daquele que o recebe. Não é suficiente, como veremos logo a seguir, conhecer Jesus ou saber muitas coisas sobre ele, sobre sua história, sua biografia. É preciso, antes de tudo, seguir Jesus. Então, aprofundando um pouco mais, evangelizar é também despertar novos seguidores, novos discípulos do Senhor.
36. E, em terceiro lugar, evangelização não deve ser entendida apenas como pregação, como anúncio feito por palavras. Ela só será efetiva, de fato, quando evangelizarmos através de nosso testemunho de vida. Nesse sentido, evangelização é algo que tem uma conseqüência clara e concreta em nossas vidas. Exige testemunho.
37. Esse testemunho pode ser desdobrado em muitos aspectos. Dois são principais: damos testemunho honesto quando procuramos AGIR COM JUSTIÇA. Praticar a justiça é um convite permanente de Deus, desde Abraão. Agir com justiça como testemunho de nossa fé não é algo simples, pois precisamos, com sensibilidade, tentar conciliar a justiça e a misericórdia; sermos justos, sem perder a caridade. Essa é a força da nossa justiça: “Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 5,20).
38. Outro aspecto em que se desdobra nosso testemunho de evangelização é o CUIDADO COM OS OUTROS E COM TODA OBRA CRIADA. Não pode haver evangelização sem uma autêntica PROMOÇÃO HUMANA, já advertia o Papa Paulo VI, em 1974. Isso significa que nós evangelizamos com nosso testemunho, através de uma sólida prática da Caridade. Não é sem razão que o papa Bento XVI, em sua primeira encíclica, ensina que a “caridade preside” todo o trabalho da Igreja. Sem caridade, a evangelização não pode ser verdadeira. E ninguém está dispensado da caridade, mesmo se já faz tantos outros trabalhos dentro da comunidade eclesial.
39. Nossos bispos do Brasil ensinam: “Esta evangelização é tarefa de todos os fiéis, chamados em virtude de seu batismo a serem discípulos missionários de Jesus Cristo” (DGAE n.7). E ainda continuam eles: “O desempenho da missão evangelizadora pede de cada um de nós uma profunda vivência de fé, fruto de uma experiência pessoal de encontro com a pessoa de Jesus Cristo, no seu seguimento” (DGAE n.8).
40. Já de longa data, a Igreja, especialmente a Igreja no Brasil, transmite as exigências fundamentais da evangelização, que são: o serviço, o diálogo, o anúncio e o testemunho de comunhão. Muito embora o anúncio explícito sobre Jesus e sobre sua proposta para todos constitui o núcleo central de tudo, é muito importante notar que não podemos simplesmente anunciar. É preciso nos colocar na condição de servidores, capazes do diálogo com todos. E o testemunho é outro modo autêntico de se anunciar o Evangelho (DGAE n.51 a 55).
41. E algo muito importante deve ser dito e aprendido: Evangelizar é uma tarefa de todos, não há dúvidas. Mas é principalmente uma ação do Espírito de Deus. Não podemos confiar apenas em nossas forças e em nossa criatividade. Isso é muito importante. Temos que confiar que o Espírito do Cristo Ressuscitado age, através de nós, para fazer conhecido o Evangelho que gera vida nova para todos.

D. A MISSÃO CRISTÃ
42. O seguimento a Jesus começa com um chamado pessoal (Mc 1,19; Mc 3,13; Mc 6,7; Mt 4,21; e outros). Esse chamado pessoal deverá ser vivido, amadurecido e aperfeiçoado na comunidade. Mas esse chamado se transforma também em um mandato: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
43. Desse modo, não há outra maneira de sermos discípulos, a não ser em missão. Isto é: todo discípulo recebe um mandato especial do Senhor, portanto é um missionário. Assim sendo, viver a nossa fé é uma permanente saída de nós mesmos em direção aos outros. Nas palavras proféticas de Dom Hélder: “Missão é partir, Caminhar...Deixar tudo, sair de si. Quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso eu. (...) Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É sobretudo abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los (...)”
44. O discípulo missionário é fiel ao mandato do Senhor e sabe que a ALEGRIA DE SER DISCÍPULO não pode ficar só para ele, mas deve ser compartilhada. Principalmente sabe que há conseqüências sérias em ser discípulo, portanto a Missão não é só falar sobre Deus, mas levar Deus mesmo às pessoas, através de palavras e de gestos concretos de solidariedade.
45. As Diretrizes, novamente voltando-se para as conclusões de Aparecida, insistem que, nesse espírito missionário, precisamos de uma urgente CONVERSÃO PASTORAL. Vamos dar a palavra aos bispos: “Deste modo, a evangelização exige muita atenção à situação em que vivemos, bem como sincera abertura de espírito e solidariedade diante das aspirações, angústias e interrogações da nossa época. Mais concretamente, nos deparamos com sérios desafios de ordem cultural e religiosa, social, política, econômica, ecológica, com sérias conseqüências para o futuro de nossa população. Além disso, uma evangelização insuficiente em nosso passado eclesial, e ainda hoje, dá origem a uma multidão de batizados e crismados não praticantes, que se encontram afastados de uma vivência cristã e eclesial e que necessitam de adequada pastoral evangelizadora por parte da Igreja. Já não basta uma ‘pastoral de mera conservação’, faz-se necessário responder às carências que explicam a saída de muitos católicos da Igreja, e que concernem à experiência religiosa, à vivência comunitária, à formação bíblico-doutrinal e ao compromisso missionário de toda a comunidade. Para alcançar este objetivo é necessária uma ‘permanente conversão pastoral’ por parte dos bispos, presbíteros, diáconos permanentes, consagrados, leigos e leigas, para que não nos instalemos “na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem do sofrimento dos pobres”.
46. Não podemos pensar em Missão apenas em lugares distantes. Precisamos compreender Missão também como uma atitude espiritual, que deve estar presente em tudo o que nós fazemos na Igreja e na Sociedade, perto ou longe de nossas comunidades.
47. O que isso significa?: Significa que tudo o que fazemos como discípulos do Senhor, devemos fazer em espírito de missão, saindo de nós mesmos, em direção a Deus e aos outros. Se ajudamos a realizar uma quermesse, na paróquia, deve ser em espírito de missão. Se ajudamos a realizar um mutirão para a limpeza do centro comunitário, também deve ser feito em espírito de missão. Se rezamos a novena de natal, deve prevalecer o espírito de missão. E assim por diante.
48. Isso é importante para que a gente não se acomode sempre com as mesmas coisas. Na Igreja, é claro que temos que dar valor às coisas que recebemos como herança de nossos antepassados. Mas também precisamos ser criativos. O espírito de missão nos garante isso, não nos deixando acomodar.
49. Além desse espírito de missão, que deve estar presente em tudo o que fazemos, na comunidade, como discípulos, temos que lembrar também daquilo que tradicionalmente compreendemos por missão. Ser missionário também significa sair fisicamente de nossa comunidade. A começar para “evangelizar” a comunidade vizinha, outras comunidades da paróquia, outras paróquias e até em outras dioceses. O discípulo missionário sabe que o mandato do Senhor não tem fronteiras.
50. Em quê toda essa realidade nos desafia, rumo a 3ª Assembléia Diocesana do Povo de Deus?
a. O primeiro desafio é ajudar os discípulos a se sentirem verdadeiros missionários, isto é, responsáveis pela missão da Igreja. Tem muita gente que ainda pensa que a respon-sabilidade da missão é toda dos bispos e dos padres. Precisamos encontrar meios para que todos se responsabilizem em conjunto, para o bem do Evangelho do Reino de Deus.
b. O espírito missionário também exige uma dose de criatividade. É nesse sentido que os bispos da América Latina e, agora mais recentemente, os bispos do Brasil, estão convidando, a todos nós, para uma conversão pastoral. Tem muita coisa que precisa ser avaliada, pensada, para saber se estamos mesmo evangelizando. O desafio aqui é, principal-mente, perceber o que precisa ser mudado e como fazer para mudar. A tarefa é de todos.
c. Outros desafios concretos aparecem: como tornar nossas comunidades mais missionárias? Como organizar as ações eclesiais para que comunidades melhor estruturadas ajudem comunidades menos estruturadas? Como incluir crianças e jovens nessa grande missão? Como aproveitar melhor a boa vontade dos que querem ajudar?

E. A SERVIÇO DA VIDA EM ABUNDÂNCIA
51. No Evangelho, Jesus é claro: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Essa palavra do Senhor não deixa margem para nenhuma dúvida. Os discípulos missionários defendem a vida irrestritamente, do começo ao seu declínio natural, e particularmente defendem a vida das pessoas indefesas e que estão em posição desfavorável em relação aos interesses mesquinhos da sociedade.
52. Mas quando falamos de defesa da vida, da vida em abundância, é muito bonito de se ouvir, mas nem sempre sabemos bem o que há de concreto em tudo isso. Portanto, precisamos encontrar o entendimento sobre o que significa, concretamente, isso que nós somos chamados a fazer: o serviço à vida em abundância.
53. O primeiro aspecto a ser concretizado é compreender que o serviço à vida atinge a PESSOA. Todas as pessoas, cada um de nós, desejamos uma vida íntegra, honesta, em que a gente tenha o necessário para viver e para desfrutar das coisas boas. O serviço à vida aqui se revela como CUIDADO à vida, no sentido de prestar atenção para que a vida, a nossa e a de todos, seja bem tratada, já que ela é um grande presente de Deus para nós.
54. Mas esse aspecto exige outro mais importante, ainda no nível da PESSOA. A verdade é que não se pode ser feliz sozinho. Para ser verdadeiramente feliz, o cristão deseja ver os seus irmãos e irmãs também felizes. Desse modo, o CUIDADO com a vida não pode ficar voltado apenas para “nosso umbigo”. Precisamos olhar a nossa volta e cuidar também para que os que estão próximos de nós tenham o direito garantido a uma vida boa e feliz.
55. E, evidentemente, o outro que mais nos deve interpelar e preocupar é o outro mais pobre que nós, mais fragilizado, mais explorado e mais desprotegido. E essa é uma opção clara de Jesus, que sempre esteve ao lado daqueles que eram os mais fracos de seu tempo. A nossa Igreja chama esse cuidado especial com os mais fracos de OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES.
56. O Documento de Aparecida é profético nesse ponto: “Comprometemo-nos a trabalhar para que a nossa Igreja Latino-americana e Caribenha continue sendo, com maior afinco, companheira de caminho de nossos irmãos mais pobres, inclusive até o martírio. Hoje queremos ratificar e potencializar a opção preferencial pelos pobres feita nas Conferências anteriores. Que sendo preferencial implique que deva atravessar todas nossas estruturas e prioridades pastorais. A Igreja Latino-americana é chamada a ser sacramento de amor, de solidariedade e de justiça entre nossos povos” (DAp 396)
57. O segundo aspecto que deve ser concretizado, no serviço à vida para todos, é a COMUNIDADE. A comunidade dos discípulos em missão deve dar um testemunho de que a vida é obra e presente de Deus, que precisa ser cuidada, amada, saboreada com alegria. O serviço à vida aqui se revela como CONVIVIALIDADE. Isto é, a comunidade dos discípulos dá um testemunho de que podemos estabelecer laços de amizade, de fraternidade, em que uns apóiam os outros
58. A convivialidade, ou seja, a convivência fraterna e amorosa entre os discípulos, um apoiando o outro quando for necessário, é sempre um bonito testemunho, dentro de um mundo em que cada um vive para si, preocupado em ganhar o seu pão. Numa sociedade em que somos ensinados a ser CONCORRENTES uns dos outros, a comunidade eclesial deve aprender a dar um testemunho de que não precisamos concorrer. Quem descobre a convivialidade descobre que seu amigo, seu vizinho, seus companheiros de caminhada, não são concorrentes, mas são parceiros. Todos podemos nos ajudar, todos estamos sempre precisando de alguma coisa ou de alguém e todos temos sempre algo a oferecer. “Não fiquem devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo” (Rm 13,8).
59. O terceiro aspecto é perceber, finalmente, que o serviço à vida deve estar presente na SOCIEDADE. Tanto cada um dos discípulos como a comunidade devem se preocupar em oferecer um testemunho e uma atuação responsável dentro da sociedade. O serviço à vida aqui se revela como RESPONSABILIDADE.
60. Não se trata de simplesmente condenar tudo, como se a sociedade fosse uma inimiga com quem temos que lutar diariamente. Nem também se trata de aceitar tudo, como se a sociedade tivesse a resposta a tudo de que precisamos.
61. Dentro desse aspecto, nosso testemunho e nossa ação devem, de novo, apoiar-se no critério da tradição profética, que nós herdamos do Antigo Testamento e, principalmente, de Jesus. A tradição profética nos ensina que devemos denunciar as injustiças, mas que precisamos também anunciar uma alternativa, uma proposta diferente. Essa proposta, em nosso caso, é a proposta de uma sociedade mais justa e fraterna, que proteja os mais fracos, porque essa é a vontade de Deus.
62. Concretamente, então, no aspecto da sociedade, o serviço à vida se traduz em atitudes bem concretas, a saber: a defesa de uma política mais honesta, sem corrupção; a defesa dos direitos humanos, dos direitos dos mais pobres e da criação de direitos para os mais desprotegidos; a participação ativa e responsável no mundo da política; a defesa dos direitos da natureza, preservando e cuidando da criação de Deus; a luta por leis mais justas e aplicáveis, que beneficiem a todos.
63. Em síntese, o que não podemos esquecer é que o serviço à vida não é algo meramente teórico, longe de nossas mãos, nossos olhos e coração. É algo que pode ser bem concreto e que se desdobra em CUIDADO, CONVIVIALIDADE (convivência fraterna) e RESPONSABILIDADE. Começando em nós, em cada um, e atingindo a comunidade e a sociedade.
64. Em quê toda essa realidade nos desafia, rumo a 3ª. Assembléia Diocesana do Povo de Deus ?
a. Um desafio que está diante de nós é como ajudar nossos fiéis, membros de nossas comunidades, ou até outras pessoas amigas e de boa vontade, a encontrarem um bom sentido para a vida, a se entusiasmarem pela vida e, sobretudo, a transbordarem vida para todos os lados, contagiando a todos de alegria e esperança. É certo que nem sempre estamos bem ou com disposição para o bom humor e para a festa, mas também é certo que esse espírito de alegria e de serenidade e paz é que deve acompanhar os cristãos (Fl 4,4). Pessoas frequentemente tristes ou deprimidas ou com um cansaço acima do comum precisam redescobrir o caminho perdido. Ajudar a essa redescoberta é também tarefa dos discípulos e das comunidades.
b. Mas o desafio maior é ajudar as comunidades de discípulos a perceberem a importância da defesa da vida para além dos discursos, isto é, procurando uma atuação concreta no município, no bairro, em favor dos mais pobres, na defesa ecológica, na denúncia das corrupções. No entanto, em nossa época, por causa da mentalidade individualista que predomina, não conseguimos empolgar quase ninguém com isso. Desafio aqui é saber como, com que linguagens, com que atitudes, conseguiremos sensibilizar as pessoas e as comunidades para que saiam do comodismo e se voltem para o mundo a ser transformado pelo amor de Deus.
c. E outro desafio não menos importante é como criar, dentro dos limites da própria comunidade eclesial e no coração e na mentalidade de seus membros-discípulos, essa cultura da vida, através do CUIDADO, CONVIVIALIDADE e RESPONSABILIDADE. Conseguimos identificar rapidamente o engano, a corrupção, nas realidades para fora de nós. Quando se trata de fazer uma auto-crítica e perceber que dentro de nossas comunidades há também má vontade, há muitos enganos, pode haver autoritarismos, centralizações violentas de poder e até corrupção, isso fica mais difícil de perceber. Desafio aqui é ter a coragem de fazer a auto-crítica, para tornar nossa mentalidade e nossas comunidades mais participativas, com voz para todos, principalmente para os que não tem vez. Sem autoritarismos e, sem perder o vínculo de unidade, saber dialogar com quem pensa diferente de nós.

F. A SERVIÇO DA FAMÍLIA E DA JUVENTUDE
63. O serviço à vida, para que todos a tenham em abundância, certamente inclui a família e a juventude. Seria necessário apresentar explicitamente a questão da família e da juventude? Família e juventude sempre foram preocupação da ação evangelizadora da Igreja. No entanto, nos últimos tempos, com todas as mudanças sociais e culturais que testemunhamos, há um apelo geral da Igreja para que nos desdobremos de cuidado e ação concreta em relação à família e à juventude.
64. Antes de tudo, precisamos nos resguardar do mundo abstrato. Temos que ter mais claro o que é mesmo a família e a juventude, nesse contexto que nos interpela, como discípulos em missão, no serviço a essas realidades.
65. A palavra família ainda permanece trazendo aquela imagem da família mais tradicional, em que estão juntos o pai, a mãe e os filhos, às vezes até numerosos. Esse é o modelo mais tradicional para se compreender a família: pai, mãe e filhos. E permanece sendo o modelo desejado, sinal de estabilidade. Esse modelo continua nos inspirando no trabalho evangelizador.
66. No entanto, não podemos fechar nossos olhos. O serviço à vida na Família não pode se restringir a esse modelo mais tradicional, pois, a cada dia, temos menos presente na sociedade esse formato de família. Então, o serviço à família deve contemplar também os outros modelos de família, presentes na sociedade.
67. O cuidado evangélico, como serviço à vida na família, não pode desprezar as famílias constituídas por mães solteiras, por pais separados, por filhos criados com os avós, por casais sem filhos, casais em segunda união. Cuidar não significa concordar com tudo, mas dar uma atenção especial, para que todos tenham vida (Mt 9,12).
68. O Documento 79 da CNBB – Diretório da Pastoral Familiar, ensina que é preciso conhecer bem a realidade da família presente hoje na sociedade. Esse documento chama atenção para o fato que família hoje ganhou “uma consciência mais viva da liberdade pessoal e maior atenção à qualidade das relações inter-pessoais” (n.14). A mulher ganha mais dignidade e maior valor e família recebe uma missão toda particular para construção de uma nova sociedade (n.14).
69. Mas o mesmo documento não deixa de chamar atenção sobre as mazelas sofridas pelas famílias, a começar da perda parcial ou completa de valores fundamentais, a questão do aborto, falta de estruturas básicas que garantam uma vida mais digna e que possibilitem aos pais terem filhos. Há também certa má influência dos meios de comunicação, ausência quase completa de políticas públicas voltadas para a família (n. 15-25).
70. No tocante à família, então, o que percebemos é que a comunidade dos discípulos em missão não pode ficar indiferente. Precisamos assumir, decidida e concretamente, uma opção em favor da família. Como está dito acima, essa opção não pode ser excludente, apesar de continuarmos acreditando no modelo mais ideal. Essa opção decidida em favor da vida da família deve partir de dados concretos e estabelecer ações que contemplem tanto a família constituída nos moldes tradicionais, quanto aos diversos modelos de família presentes atualmente na sociedade.
71. Naturalmente que isso vai exigir de todos os discípulos missionários e de suas comunidades uma nova compreensão, mais acolhedora e misericordiosa, sem deixar de ser honesta e justa. Precisamos organizar momentos, locais, ações diversificadas para falar às mães solteiras, aos pais separados, aos filhos dependentes químicos, às famílias que vivem sem Deus, aos casais em segunda união. As ações pastorais, a evangelização e a prática sacramental habitualmente formatadas para atender a família tradicional deverão ser criativamente repensadas. Não devemos deixar ninguém, que deseje estar conosco, de fora. Aqui, como em tantos outros desafios, será necessária aquela conversão pastoral que pedem os bispos latino-americanos, no Documento de Aparecida. Evidentemente que será preciso também uma boa dose de lucidez e discernimento.
72. O serviço à juventude também não é muito diferente. E com o acréscimo que se trata de um serviço ainda mais exigente, visto que a juventude sempre é alvo das mais profundas e rápidas mudanças na sociedade e que, na maioria das vezes, estamos longe de conseguir acompanhar.
73. Também aqui é preciso fugir das abstrações. Não podemos falar de juventude como algo genérico e nem no singular. O que temos hoje são juventudes, isto é, muitas formas concretas de ser jovem. E, diferente da família, que possui um modelo clássico-tradicional, a juventude não tem essa característica. Não há um modelo de juventude que sirva de parâmetro para o nosso trabalho.
74. No entanto, tomar a decisão de cuidar mais de perto da juventude, como desdobramento concreto do serviço à vida é urgente, visto que nas juventudes estão à força, a vitalidade e a criatividade da sociedade, ao mesmo tempo que é a juventude que, animada e formada pelo espírito de Cristo, formará as novas famílias cristãs e as novas comunidades eclesiais.
75. A atuação entre a juventude deve, em primeiro lugar, ficar atenta aos rostos concretos dos jovens: os jovens pobres; os migrantes do êxodo rural vindos para as cidades; os membros de tribos; os estudantes, entre esses os universitários; os desempregados e os que estão a procura do primeiro emprego; os dependentes químicos; entre tantos outros. (Estudos da CNBB nº 93 – Evangelização da Juventude: desafios e perspectivas pastorais, nº 1-46)
76. São esses jovens concretos que estão diante de nós, dentro ou fora da Igreja, e são esses jovens que precisam ser alcançados pela nossa ação pastoral. Deve ficar bem claro aqui que a ação pastoral não se reduz a trazer todo mundo para dentro da Igreja, mas a promover a vida de todos, mesmo daqueles que não se sentem suficientemente motivados a pertencerem aos quadros mais habituais de nossas paróquias e comunidades.
77. O trabalho com as juventudes pode e deve se complementar em duas direções. Uma direção seria o trabalho para os jovens: aqui entra tudo o que a comunidade pode fazer em favor dos jovens que estão ligados a ela. A comunidade toma a iniciativa e oferece alguma coisa para despertar no jovem o sabor do sentido da vida e, especificamente, do sentido dado por Jesus, nosso Mestre e Senhor.
78. Outra direção possível e desejável é o protagonismo do próprio jovem, quando ele mesmo toma as iniciativas pastorais, missionárias e evangeliza outros jovens. Esse protagonismo é muito estimulante para o jovem e pode corrigir muitas distorções em nossas comunidades quando querem falar a linguagem do jovem, mas não conseguem. Se é o jovem que evangeliza outro jovem, a perspectiva de acerto é bem maior.
79. As duas direções devem ser bem articuladas e bem realizadas. Não se pode apenas esperar o protagonismo do jovem, visto que a sociedade atual não estimula tanto as iniciativas criativas. Então, há momento em que a comunidade tem que fazer algo pelos jovens. Mas também a comunidade não pode se restringir a fazer algo para eles sempre, porque isso pode resultar num comodismo da parte do jovem, como também pode resultar em uma falta de criatividade da comunidade.
80. O ideal é que as ações realizadas para os jovens (como destinatários) caminhem, aos poucos, para as ações realizadas pelos jovens (como sujeitos). É preciso confiar na juventude. Toda confiança, não apenas na juventude, mas qualquer confiança, é sempre um arriscar-se. Há riscos em se confiar tanto na juventude como num grupo de casais, por exemplo. Só nessa confiança é que conseguiremos transformar a juventude em protagonista da própria evangelização.
81. Em quê toda essa realidade nos desafia, rumo a 3ª Assembléia Diocesana do Povo de Deus?
a. É inegável que a Igreja sempre deu atenção tanto à família quanto à juventude. Ambos foram e continuam sendo objeto de grande dedicação e carinho. No entanto, se antes esperávamos que a família e a juventude a buscarem a Igreja para dela receberem o apoio, a exigência hoje é inversa. É a Igreja que deve se mover, em missão, para onde está a família e a juventude. Então o desafio aqui se configura em reavaliar nossas práticas pastorais e missionárias efetivas e encontrar caminhos para ir atrás daqueles setores da juventude e daquelas famílias que estão mais distantes, que se sentem mais desprestigiados ou menos dignos de participarem da comunidade. Como encontrar esse caminho e como superar certa acomodação em esperar dentro das comunidades aqueles que estão fora se aproximarem é parte desse desafio.
b. Bem concretamente, precisamos – com lucidez e discernimento – avaliar se nossa prática pastoral e sacramental não tem sido motivo de afastamento mais do que de aproximação da juventude e das famílias. Não se trata aqui de tolerar tudo, a qualquer preço, como se tivéssemos à procura de maior clientela. Mas também não se pode impor um peso maior do que aquele que as pessoas comuns conseguem conduzir. A advertência do Senhor é dramática nesse ponto: “Ai de vós igualmente, doutores da lei, porque carregais as pessoas com fardos insuportáveis, e vós mesmos, nem com um só dedo, não tocais nesse fardo!” (Lc 11,46) Afinal de contas, a comunidade dos discípulos não é constituída de pessoas santas em definitivo, mas de pessoas em busca de santidade. Não estamos prontos, mas a caminho. É verdade que outros, desde que se proponham a entrar no Caminho, possam vir conosco, mesmo que o ritmo de seus passos seja mais lento do que o nosso.
c. Outro desafio bem concreto diz respeito à organização mais efetiva e à seriedade com que precisamos assumir a tarefa de priorizar a Juventude e a Família. Precisamos superar aquela mentalidade de que as prioridades são apenas figurantes no cenário da Igreja e que, em cada paróquia ou comunidade, basta ir fazendo o que já sempre se fez. Isso pode ser um engano. Assumir juventude e família como prioridades precisa ser efetivo e os desdobramentos desse compromisso precisam ser vistos na prática. O desafio aqui se configura como um convite à seriedade e à unidade na ação pastoral. Se assumirmos todos, como unidade, esses desafios da Juventude e da Família, mesmo que por hora não tenhamos respostas para os problemas, o fato de estarmos juntos e conjuntamente preocupados vai, necessariamente, apontar caminhos.

G. A IGREJA NO BRASIL E NO MUNDO
82. Tanto no Brasil, quanto em todo mundo, a Igreja tem, para os próximos tempos, grandes desafios para todos nós. Nesse contexto de preparação para a 3ª. ADP, será muito importante que nossas “antenas” estejam sintonizadas naquilo que a Igreja toda está apresentando como proposta.
83. A começar no Brasil, já temos um grande projeto: o ANO CATEQUÉTICO, a ser celebrado no ano de 2009. Trata-se de propostas muito ricas, tentando dar um novo encantamento à Catequese. Três preocupações básicas estão nesse projeto: a MISTAGOGIA na fé, isto é, como ajudar as pessoas a fazerem um verdadeiro encontro com Jesus; a FORMAÇÃO DE VERDADEIROS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS; e a CATEQUESE COM ADULTOS.
84. Temos as Diretrizes para a Ação Evangelizadora. Elas foram aprovadas recentemente e trazem uma interpretação do Documento de Aparecida, com orientações e sugestões mais específicas para o Brasil. O Documento de Aparecida possui uma riqueza ainda pouco conhecida. Sem dúvida, esse documento deve iluminar nossa ação evangelizadora pelos próximos anos.
85. Inspirado em Aparecida, a CNBB apresentará, em breve, o projeto MISSÃO CONTINENTAL, que já está em fase de conclusão. Esse projeto é um desejo de todos os bispos da América Latina e Caribe, reunidos em Aparecida, no ano de 2007. Uma sensibilização, mobilização e ação efetiva em todo continente, procurando despertar novos discípulos missionários. No Brasil esse projeto terá um lema: “Viva a alegria de ser missionário”.
86. A Igreja toda celebrou, em outubro de 2008, o SÍNODO DA PALAVRA, cujo tema foi “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Os frutos desse sínodo ainda serão melhor conhecidos, mas ele já traz a grande provocação de reavaliar o lugar da Palavra de Deus em nossas vidas e na vida de nossas comunidades. Há uma permanente necessidade de nos aproximar da Palavra de Deus e precisamos encontrar os caminhos efetivos para isso.
87. No mesmo espírito do Sínodo da Palavra, o Papa Bento XVI conclamou o ANO PAULINO. Também para lembrar a figura impressionante que foi o apóstolo Paulo, pregador das gentes, apaixonado por Cristo. Tudo isso é, para nós, interpelação. Precisamos aperfeiçoar nosso seguimento, para vivermos como verdadeiros discípulos em missão.

H. QUESTÕES METODOLÓGICAS
88. Um acontecimento eclesial tão importante como o é a Assembléia Diocesana de Pastoral não se pode realizar na base do improviso. É certo que temos de deixar o espaço e o coração abertos para o imponderável que vem de Deus, mas aquilo que está sob nossa responsabilidade deve ser bem assumido e bem feito. Realizar o processo de assembléia com improvisos e com certo amadorismo é desrespeitar o povo de Deus, o que equivale a não respeitar também a vontade de Deus.
89. Alguns eixos são muito importantes num bom planejamento da Assembléia Diocesana. Em primeiro lugar, lembramos o nosso já tradicional, simples e eficiente método VER-JULGAR-AGIR. De um modo muito simples e direto, esse método ajuda a não tirarmos os pés da realidade e a também não deixarmos de procurar ouvir a vontade de Deus na hora de planejar e realizar as tarefas. Em nossa assembléia, esse método será fundamental, principalmente para conhecermos bem a realidade e darmos respostas mais qualificadas aos desafios que nos interpelam.
90. Outro eixo importante é a metodologia de COMUNHÃO e PARTICIPAÇÃO. Por essa metodologia, complementar ao método ver-julgar-agir, todos nos responsabilizamos pela realização do processo e, posteriormente, pela execução das decisões. Temos que criar condições para que todos participem, mas não há como todos participarem em todos os momentos. Aqui entra a COMUNHÃO. Em comunhão com sua comunidade, com seu movimento, os delegados participam, mas nunca individualmente. Sua participação se reveste de uma importância comunitária. Ele está ali porque não é possível que todos estejam ao mesmo tempo. E sabe que aquilo que for decidido pela Assembléia deve ser assumido por todos, mesmo que, porventura, uma ou outra pessoa tenha idéias um pouco diferentes. Isso é comunhão e participação.
91. A ESPIRITUALIDADE é um eixo importante nesse processo de preparação e realização da 3ª ADP. Não somos meros programadores, nem tampouco executores de tarefas. O que queremos é ouvir a vontade de Deus e colocá-la em prática. Então o espírito que deve prevalecer na Assembléia não é o de uma obrigação de se ter planos, tarefas, entre outras coisas. Isso certamente virá. Mas o principal é estarmos atentos a vontade de Deus, presente na realidade.
92. Não podemos esquecer, para finalizar, da grande responsabilidade que é levar adiante esse processo da Assembléia. Então, todos somos co-responsáveis, para ouvir a vontade de Deus e tentar traduzi-la em prioridades e ações concretas, para nós e para todas as comunidades eclesiais que confiaram a nós essa tarefa.

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